Em 2010, a tradicional família brasileira foi submetida à traumática experiência de ter de aceitar, pela primeira vez, a eleição de uma mulher para a presidência da República. A porção tradicionalista, reacionária, machista e misógina do país não pôde evitar o ato consumado. Mas reagiu de pronto, de duas maneiras iniciais.
De chofre, o sempre ditatorial partido da imprensa conservadora providenciou uma série de denúncias de corrupção contra o governo de Dilma Vana Rousseff. Ela reagiu prontamente, demitindo ministros suspeitos, um após o outro. Desconcertado, o partido da imprensa misógina entrou de sola com sua segunda ação, rotulando a presidentA (que jamais chamou de presidentA) de “faxineira”.
Diante do fracasso da primeira estratégia, a segunda manteve oculto o tiro no pé. A suposta diminuição da presidentA à condição habitualmente subalterna de “faxineira” escondeu, mal e porcamente, o fundo misógino, racista e classista da reação dos reacionários. A existência, anos mais tarde, do filme Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, seria um dos calmos revides à primeira onda misógina antiDilma, aquela que pretendia “reduzir” a presidentA, mandatária máxima, a subserviente e obediente “faxineira”.
A reação submergiu diante da competência da “faxineira”. Dilma viveu um primeiro mandato presidencial estranhamente tranquilo. Por vezes até governou em paz, enquanto o partido da imprensa inconformada mirava flechas de curare em Luiz Inácio Lula da Silva, o pai da filha política, pai da própria mãe. Embora estranhássemos, todas nós sabíamos que o partido da imprensa reacionária não hibernava. Mais cedo ou mais tarde, mostraria suas garras.
Aconteceu em 2014. A fúria reativa ergueu uma montanha durante a campanha de reeleição da que não deveria ter sido eleita, matando o suposto esquerdista Eduardo Campos e ressuscitando a suposta mulher Marina Silva, entre outras “façanhas” grotescas, tudo para não permitir a recondução da que não deveria ter sido conduzida.
O plano deu certo, num primeiro momento: a mulher beijada Marina serviu de escada subserviente para que o homem beijoqueiro Aécio Neves (uma nulidade política) ascendesse ao segundo turno e usurpasse a noiva (a República). Mas a montanha não conseguiu eleger o camundongo.
Com capa falsificada da Veja e tudo, deu tudo errado. A mulher que nem deveria ter sido eleita terminou reeleita, frustrando o minucioso golpe de recaptura do controle do país pelo partido do empresariado machista-católico-regressista.
Aí a misoginia começou a enlouquecer, anabolizada pelo fato de que o assalto havia conseguido estreitar a margem de vitória e, assim, encolher o poder de fato da re-escolhida. A direita golpista agradeceu silenciosamente, sem muita gratidão, à esquerda antiDilma, ao partido do muro eterno, à blogosfera regressista, às cada dia menos femininas marias-vão-com-os-outros. A redução da margem de poder era boa, mas estava longe de ser suficiente para quem apostara tudo na derrota ainda “legítima” e “institucional” da bruxa inimiga.
A nação de meninos mimados emburrados começou a vir à tona. O reacionarismo começou a virar hospício. Os machos reacionários dupla e tripla e quadruplamente perdedores soltaram o pino.
Dois segundos depois da reeleição, havia gente (não só na direita e no partido da imprensa escravagista, mas até mesmo na chamada blogosfera macho-progressista) garantindo que a reeleita não tomaria posse, não conseguiria governar, não teria um minuto de paz, não governaria.
Dito e feito.
A guerrilha de desgaste foi, pouco a pouco, se transformando em guerra aberta, político-jurídico-midiática. Me abstenho de relembrar o último ano e quatro meses, que está nítido nas nossas memórias de sofredoras.
Corto para o dia em que Dilma deixou o vice decorativo Michel Temer cuidando da casa e viajou para o coração do GOLPE, Nova York, para discursar na Organização das Nações Unidas: 22 de abril de 2016, aniversário de 516 anos do “descobrimento “do BraZil.
Serena. Calma. Tranquila. Ponderada. Controlada. Moderada. Para alívio momentâneo da direita hidrófoba e surto automático de esquerdas misóginas que desde janeiro de 2011 não confiam um milímetro em seu governo, Dilma não usou a tribuna internacional para desvio de rota, pedido esmolambado de socorro ou plataforma de chororô. Agiu como a estadista que, dia após dia, noite após noite, tem revelado ser.
Na serenidade da resistência em fogo brando, expôs mais uma vez o descontrole do partido da imprensa golpista (de direita e de esquerda e de centro) e do partido da Fiesp (Federação das Indústria de São Paulo = Rede Globo), o PCO, Partido do Crime Organizado.
Não importa um milímetro que a revista-panfleto Istoé xingue Dilma e a difame como louca furiosa. A cada dia, mais gente (sobretudo gentes de gênero feminino) compreende quem é que está louco, furioso, descontrolado, em combustão espontânea: são os (predominantemente) machos que até hoje não se conformaram nenhum segundo sequer com a eleição da eleita e reeleita.
Coisas estranhas acontecem enquanto Dilma esbanja serenidade e maturidade diante da brutal ameaça de assalto ao símbolo que é, de violência anti-institucional e de estupro à figura que representa. Brinquemos de fazer listinha.
Candidato a usurpador, o vice-presidente golpista da República sai de carro semi-escondido, descabelado, esbugalhado, esquecido de plantar pancake no rosto betuminoso.
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