terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Resumo da ópera, Uma encenação de 500 anos chega ao último ato e o resultado é o caos absoluto em que mergulhamos


O governo de Michel Temer premia a mídia nativa por sua notabilíssima contribuição ao êxito do golpe de 2016. Tenho lido, aliás, da lavra até de praticantes do jornalismo honesto, ou da boca de dignos cidadãos, que se trata de golpe parlamentar. Permito-me observar que a definição é incorreta: parlamentar, sim, mas também judicial, midiático e policial.
A gratidão de Temer em relação aos barões midiáticos e seus sabujos confirma o estado de exceção em vigor. Neste começo de 2017, farta publicidade governista inunda os órgãos da comunicação jornalística, a começar pelas revistas semanais ditas de informação, melhor seria de propagandaCartaCapital é excluída. Obviamente, já que os golpistas, com indiscutível coerência, fazem o que bem entendem.
CartaCapital já passou por situação similar durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, reputado até hoje democrático. No comando da estrutura chamada a administrar a publicidade governista, Andrezinho Matarazzo esmerou-se ao ignorar CartaCapital. Cheguei a ter saudades, então, ao menos deste ponto de vista, dos tempos da ditadura.
Democrático foi o comportamento dos governos Lula e Dilma, que não esqueceram quem quer que seja. Por 14 anos a mídia foi de oposição feroz ao governo, e dizer oposição é licença poética, porque amiúde não hesitou, a bem dos seus propósitos sempre golpistas, em omitir, inventar ou mentir para colocar Lula antes, Dilma depois, em dificuldades aos olhos do público. Já estavam a ensaiar sua participação decisiva no golpe de 2016.
Talvez surpresos pelo súbito comparecimento de publicidade governista nas páginas de CartaCapital, diversos escribas a serviço da casa-grande deram para defini-la como revista chapa-branca, embora houvesse publicações muito mais recheadas. Tive de constatar, por exemplo, que a quinzenal Exame da Editora Abril, dedicada ao business, recebia mais publicidade governista do que a nossa semanal de política, economia e cultura.
Às vezes me ocorreu perguntar aos meus intrigados botões se tanto Lula, quanto Dilma, não seriam democratas demais no tratamento reservado a quem os denegria sistematicamente. Responderam: “Cristãos”. De todo modo, de nada adiantou oferecer a outra face e deu no que deu. Ou seja, neste Brasil que finalmente chegou ao resumo de uma ópera de 500 anos.
O golpe precipitou o País em um beco sem saída, jamais conheceu crise igual, política, econômica, social, moral e intelectual. Institucional. O Estado está falido, os poderes da República não existem, há uma destruição por dentro, uma implosão irreparável.
É como se o momento de caos absoluto condensasse toda a prepotência, toda a irresponsabilidade, toda a insensibilidade, toda insensatez, todos os desastres provocados pela inextinguível casa-grande ao longo de 500 anos de história. Até a conciliação das elites tornou-se instituição falida, os graúdos digladiam-se entre si em busca de um prêmio impossível, o poder extinto pela total ausência de comando.
O Brasil é hoje o perfeito resultado do desmando secular. A se olhar para trás, percebe-se que não poderia haver outro desfecho. Nisso tudo, a perseguição de Michel Temer a CartaCapital é algo de somenos, mesmo porque de figuras como o professor de Direito Constitucional disposto a rasgar a Constituição por outros comportamentos seria estulto esperar.
O que mais dói é a impossibilidade de imaginar o futuro enquanto semeiam-se insatisfação, desencanto, medo, ódio. Neste exato instante, só se oferecem à fácil previsão o recrudescimento da criminalidade e o fortalecimento de uma organização sólida e bem estruturada para o mal como o PCC, assunto de capa desta edição.

Da Carta Capital

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